segunda-feira, 9 de julho de 2012

Allegro ma non troppo, Carlo Cipolla

Enviaram-me este texto que tenho todo o prazer em partilhar:

Carlo Cipolla (1922-2000) aceita que, segundo Darwin, o ser humano partilha a sua origem com outros animais, “da minhoca ao elefante”, que “têm de suportar a sua dose diária de atribulações, medos, frustrações, penas e adversidades.”
Considera, todavia, que nós temos “o privilégio de carregar um fardo a mais, uma dose extra de atribulações diárias causadas por um grupo de indivíduos que pertence também à espécie humana. Este grupo é muito mais poderoso do que a Mafia, do que o Complexo Militar-Industrial ou do que a Internacional Comunista. É um grupo não organizado, que não faz parte de qualquer associação, que não tem chefe, nem presidente, nem estatuto, mas que consegue operar em perfeita sintonia, como se fosse guiado por uma mão invisível, de tal modo que as actividades de cada membro contribuem potencialmente para o fortalecimento e amplificação da eficácia da actividade de todos os outros membros (…) uma das mais poderosas e obscuras forças que impede o crescimento do bem-estar e da felicidade humana.” Refere-se Cipolla à estupidez, claro está. Uma característica exclusivamente humana.
 A sua tese, que intitulou “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, contempla cinco “leis”:
 1ª – Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação;
 2ª – A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa;
3ª (a regra de ouro) – uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo; 4ª – As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se, infalivelmente, um erro que se paga muito caro;
5ª – A pessoa estúpida é a pessoa mais perigosa que existe. Tese bem-humorada mas séria e inteligente, discorre também sobre os outros três tipos humanos como o autor os entende: imprudentes e bandidos, os primeiros perdem, os segundos apropriam-se (nada de grave, portanto); os inteligentes, que na interacção com os outros ganham e fazem ganhar, responsáveis pela prosperidade, bem-estar, avanço da humanidade.
Reflectindo sobre a relação entre estupidez e poder, Cipolla diz que o potencial de uma pessoa estúpida em provocar danos depende de dois elementos principais, o factor genético e a posição de poder e de autoridade que ela ocupa na sociedade. “Alguns indivíduos herdam doses notáveis do gene da estupidez e, graças a essa herança, fazem parte, desde o nascimento, da elite do seu grupo”.

Quanto ao segundo elemento, “reencontramos, entre os burocratas, generais, políticos e chefes de estado a áurea proporção épsilon de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar o próximo foi (ou é) perigosamente acrescida pela posição de poder que ocuparam (ou ocupam).” Alerta a propósito que, neste contexto, os prelados não devem ser esquecidos. E continua: “A questão acerca da qual muitas vezes as pessoas razoáveis se interrogam é a de como e porquê pessoas estúpidas conseguem atingir posições de poder e de autoridade. Classe e casta (seja esta laica ou eclesiástica) foram as instituições sociais que, na maioria das sociedades pré-industriais, permitiram um fluxo constante de pessoas estúpidas para posições de poder. No mundo industrial moderno, classe e casta vão perdendo cada vez mais importância. Porém, em lugar de classe e casta, existem os partidos políticos, a burocracia e a democracia. Num sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a estabilidade da fracção épsilon entre os poderosos. Recorde-se que, com base na Segunda Lei, existe uma fracção épsilon de votantes que são estúpidos e as eleições oferecem-lhes uma magnífica ocasião para prejudicar todos os outros, sem obter qualquer ganho com as suas acções. Permitindo a realização desse objectivo, as eleições contribuem para a manutenção do nível épsilon de estúpidos entre as pessoas que estão no poder.”

Cipolla, C.M., Allegro ma non troppo, Edizioni Il Mulino, 1988
Cipolla, C.M. Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité humaine. Paris: Balland, 1992.